terça-feira, 29 de setembro de 2009

AUTONOMIA E LEGALIDADE

“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão."


Tecendo a Manhã (João Cabral de Melo Neto)


xxxxxxx

Pessoal,

No dia 25 de maio de 2009 a comunidade da Escola de Engenharia da UFF recebeu um e-mail do seu Diretor destituindo publicamente o seu Assessor de Projetos Sociais. O motivo alegado foi o fato do Assessor ter iniciado uma discussão pública sobre as implicações do Decreto nº 6.264 de 22 de novembro de 2007 e, conseqüentemente, sobre a legitimidade da nomeação que reconduziu o Diretor ao cargo. Esse decreto “altera e acresce dispositivos ao do Decreto no 1.916, de 23 de maio de 1996, que regulamenta o processo de escolha dos dirigentes de instituições federais de ensino superior”.

A nomeação ou destituição de um Assessor é prerrogativa do Dirigente. Contudo, chamou a atenção a forma como foi feita essa destituição. Informo que esse ex-assessor é responsável pela iniciativa do Vestibular Popular - conjunto de cursos gratuitos que visa preparar alunos de baixa renda para os vestibulares. Essa atividade existe faz quase dez anos na UFF, creio. Atualmente, aparentemente, há dificuldade em encontrar salas para os alunos inscritos nesse programa de extensão, principalmente para o ano que vem. Certamente isso não tem relação com o episódio que motivou a sua destituição. A dificuldade em obter salas, caso exista, deve estar relacionada com o grande número de outros cursos de extensão existentes na Escola de Engenharia e que devem ser considerados prioritários pela sua Direção.

Como quase ninguém conhecia esse Decreto, houve uma resposta lenta à mensagem do Diretor da Escola de Engenharia. Antes de qualquer manifestação minha, parei para estudar detalhadamente a legislação federal que regulamenta o processo de escolha dos dirigentes de instituições federais de ensino superior.

Aparentemente, o ex-assessor tem razão. A seguir, minha opinião:


O Art. 1o do Decreto no 1.916 da Presidência da República, de 23 de maio de 1996 estabelece que:

“Art. 1o .......................................................................

Art. 1° O Reitor e o Vice-Reitor de universidade mantida pela União, qualquer que seja a sua forma de constituição, serão nomeados pelo Presidente da República, escolhidos dentre os indicados em listas tríplices elaboradas pelo colegiado máximo da instituição, ou por outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim.

§ 1° Somente poderão compor as listas tríplices docentes integrantes da Carreira de Magistério Superior, ocupantes dos cargos de Professor Titular ou de Professor Associado 4, ou que sejam portadores do título de doutor, neste caso independentemente do nível ou da classe do cargo ocupado. (Redação dada pelo Decreto nº 6.264, de 22 de novembro de 2007)

§ 5° O Diretor e o Vice-Diretor de unidade universitária serão nomeados pelo Reitor, observados, para a escolha no âmbito da unidade, os mesmos procedimentos e critérios prescritos neste artigo.

........



Portanto, a nomeação após 22 de novembro de 2007 de Diretor de Unidade que não seja doutor e nem faça parte das classes de Associado ou Titular não estaria objetivamente cumprindo a lei, pois estaria contrariando o Decreto no 6.264.

O atual Diretor nomeado da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, não possui o Título de Doutor e nem faz parte da classe de Associado ou de Titular. A nomeação, feita pelo Reitor da UFF, foi em 12 de janeiro de 2008. Portanto, após a publicação do Decreto nº 6.264, de 22 de novembro de 2007.

A seguir o cronograma dos eventos:

- Edital da consulta eleitoral publicado no dia 14 de novembro de 2007
- Decreto 6264 publicado no dia 22 de novembro de 2007
- Inscrições para a consulta encerradas no dia 23 de novembro de 2007 (um dia após a publicação do Decreto)
- Consulta eleitoral entre os dias 12 e 13 de dezembro de 2007 (20 dias após a publicação do Decreto)
- Nomeação em 12 de janeiro de 2008 (49 dias após a publicação do Decreto)

As seguintes alternativas poderiam ter acontecido, evitando a ilegalidade:

1 - A adequação do edital para atender o estabelecido pelo Decreto 6264, pois havia tempo hábil para isso. Aparentemente, algumas pessoas já sabiam do teor do Decreto. É o caso do atual Diretor, que informa na sua mensagem já saber do teor do decreto na época e ter consultado a Administração Central. O atual Diretor já ocupava esse cargo antes da nova nomeação (trata-se de uma recondução) e, portanto, foi o responsável pela preparação do processo da consulta, incluindo a indicação da Comissão Eleitoral.

2 - A nomeação de um dos nomes da lista tríplice que atendesse as exigências mínimas estabelecidas em lei.

Nada disso foi feito. A alegação de desconhecimento de uma lei não é justificativa para o seu descumprimento. A Autonomia Universitária é fundamental mas não poderia ser maior do que a lei.

É fato sabido que o Reitor (portanto, o Diretor de Unidade) é NOMEADO pelo Ministro (pelo Reitor, no caso de Diretores de Unidade) a partir de uma lista tríplice encaminhada pelo Colegiado. Eventualmente é possível se fazer uma CONSULTA (formal – respeitando-se os pesos para alunos docentes e servidores técnico-administrativos estabelecidos pelo MEC - ou informal) à comunidade, mas nem o Colegiado tem obrigação legal de indicar os primeiros nomes aprovados pela consulta e nem o Presidente da República (Reitor no caso de Diretores de Unidade) é obrigado por lei a nomear o primeiro nome da lista tríplice encaminhada pelo Colegiado. Nenhuma dessas etapas pode contrariar o que estabelece a lei. Para facilitar o entendimento desse procedimento, a Coordenação Geral de Legislação do Ministério da Educação divulgou recentemente a Nota Técnica 448/2009.

Na atual situação, a melhor alternativa, que seria um compromisso entre o cumprimento da lei e o respeito à Autonomia Universitária, é a indicação pelo Reitor de um Diretor “pro-tempore”, nos termos do Parágrafo Único do Art. 7o do Decreto nº 6.264, de 22 de novembro de 2007, com a responsabilidade de realizar, num prazo determinado, uma nova consulta, com edital ajustado ao que estabelece o decreto.

Saudações Universitárias.
Heraldo

PS: A PROGER deu, aparentemente, há algum tempo, um parecer preliminar favorável à nomeação. Segundo essa interpretação, a publicação preventiva de um edital para a consulta no Boletim de Serviço da universidade antes da publicação da nova lei no Diário Oficial da União, tornaria as novas regras inaplicáveis, mesmo que a montagem da lista tríplice, a nomeação e até a consulta e inscrição de chapas ocorressem após a publicação da lei. Em algumas IFES tentou-se essa “publicação preventiva” como mecanismo para assegurar a nomeação de não doutores. A Nota Técnica 448/2009 da Coordenação Geral de Legislação do Ministério da Educação demoliu essa argumentação, creio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário