terça-feira, 29 de setembro de 2009

AUTONOMIA E LEGALIDADE

“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão."


Tecendo a Manhã (João Cabral de Melo Neto)


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Pessoal,

No dia 25 de maio de 2009 a comunidade da Escola de Engenharia da UFF recebeu um e-mail do seu Diretor destituindo publicamente o seu Assessor de Projetos Sociais. O motivo alegado foi o fato do Assessor ter iniciado uma discussão pública sobre as implicações do Decreto nº 6.264 de 22 de novembro de 2007 e, conseqüentemente, sobre a legitimidade da nomeação que reconduziu o Diretor ao cargo. Esse decreto “altera e acresce dispositivos ao do Decreto no 1.916, de 23 de maio de 1996, que regulamenta o processo de escolha dos dirigentes de instituições federais de ensino superior”.

A nomeação ou destituição de um Assessor é prerrogativa do Dirigente. Contudo, chamou a atenção a forma como foi feita essa destituição. Informo que esse ex-assessor é responsável pela iniciativa do Vestibular Popular - conjunto de cursos gratuitos que visa preparar alunos de baixa renda para os vestibulares. Essa atividade existe faz quase dez anos na UFF, creio. Atualmente, aparentemente, há dificuldade em encontrar salas para os alunos inscritos nesse programa de extensão, principalmente para o ano que vem. Certamente isso não tem relação com o episódio que motivou a sua destituição. A dificuldade em obter salas, caso exista, deve estar relacionada com o grande número de outros cursos de extensão existentes na Escola de Engenharia e que devem ser considerados prioritários pela sua Direção.

Como quase ninguém conhecia esse Decreto, houve uma resposta lenta à mensagem do Diretor da Escola de Engenharia. Antes de qualquer manifestação minha, parei para estudar detalhadamente a legislação federal que regulamenta o processo de escolha dos dirigentes de instituições federais de ensino superior.

Aparentemente, o ex-assessor tem razão. A seguir, minha opinião:


O Art. 1o do Decreto no 1.916 da Presidência da República, de 23 de maio de 1996 estabelece que:

“Art. 1o .......................................................................

Art. 1° O Reitor e o Vice-Reitor de universidade mantida pela União, qualquer que seja a sua forma de constituição, serão nomeados pelo Presidente da República, escolhidos dentre os indicados em listas tríplices elaboradas pelo colegiado máximo da instituição, ou por outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim.

§ 1° Somente poderão compor as listas tríplices docentes integrantes da Carreira de Magistério Superior, ocupantes dos cargos de Professor Titular ou de Professor Associado 4, ou que sejam portadores do título de doutor, neste caso independentemente do nível ou da classe do cargo ocupado. (Redação dada pelo Decreto nº 6.264, de 22 de novembro de 2007)

§ 5° O Diretor e o Vice-Diretor de unidade universitária serão nomeados pelo Reitor, observados, para a escolha no âmbito da unidade, os mesmos procedimentos e critérios prescritos neste artigo.

........



Portanto, a nomeação após 22 de novembro de 2007 de Diretor de Unidade que não seja doutor e nem faça parte das classes de Associado ou Titular não estaria objetivamente cumprindo a lei, pois estaria contrariando o Decreto no 6.264.

O atual Diretor nomeado da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, não possui o Título de Doutor e nem faz parte da classe de Associado ou de Titular. A nomeação, feita pelo Reitor da UFF, foi em 12 de janeiro de 2008. Portanto, após a publicação do Decreto nº 6.264, de 22 de novembro de 2007.

A seguir o cronograma dos eventos:

- Edital da consulta eleitoral publicado no dia 14 de novembro de 2007
- Decreto 6264 publicado no dia 22 de novembro de 2007
- Inscrições para a consulta encerradas no dia 23 de novembro de 2007 (um dia após a publicação do Decreto)
- Consulta eleitoral entre os dias 12 e 13 de dezembro de 2007 (20 dias após a publicação do Decreto)
- Nomeação em 12 de janeiro de 2008 (49 dias após a publicação do Decreto)

As seguintes alternativas poderiam ter acontecido, evitando a ilegalidade:

1 - A adequação do edital para atender o estabelecido pelo Decreto 6264, pois havia tempo hábil para isso. Aparentemente, algumas pessoas já sabiam do teor do Decreto. É o caso do atual Diretor, que informa na sua mensagem já saber do teor do decreto na época e ter consultado a Administração Central. O atual Diretor já ocupava esse cargo antes da nova nomeação (trata-se de uma recondução) e, portanto, foi o responsável pela preparação do processo da consulta, incluindo a indicação da Comissão Eleitoral.

2 - A nomeação de um dos nomes da lista tríplice que atendesse as exigências mínimas estabelecidas em lei.

Nada disso foi feito. A alegação de desconhecimento de uma lei não é justificativa para o seu descumprimento. A Autonomia Universitária é fundamental mas não poderia ser maior do que a lei.

É fato sabido que o Reitor (portanto, o Diretor de Unidade) é NOMEADO pelo Ministro (pelo Reitor, no caso de Diretores de Unidade) a partir de uma lista tríplice encaminhada pelo Colegiado. Eventualmente é possível se fazer uma CONSULTA (formal – respeitando-se os pesos para alunos docentes e servidores técnico-administrativos estabelecidos pelo MEC - ou informal) à comunidade, mas nem o Colegiado tem obrigação legal de indicar os primeiros nomes aprovados pela consulta e nem o Presidente da República (Reitor no caso de Diretores de Unidade) é obrigado por lei a nomear o primeiro nome da lista tríplice encaminhada pelo Colegiado. Nenhuma dessas etapas pode contrariar o que estabelece a lei. Para facilitar o entendimento desse procedimento, a Coordenação Geral de Legislação do Ministério da Educação divulgou recentemente a Nota Técnica 448/2009.

Na atual situação, a melhor alternativa, que seria um compromisso entre o cumprimento da lei e o respeito à Autonomia Universitária, é a indicação pelo Reitor de um Diretor “pro-tempore”, nos termos do Parágrafo Único do Art. 7o do Decreto nº 6.264, de 22 de novembro de 2007, com a responsabilidade de realizar, num prazo determinado, uma nova consulta, com edital ajustado ao que estabelece o decreto.

Saudações Universitárias.
Heraldo

PS: A PROGER deu, aparentemente, há algum tempo, um parecer preliminar favorável à nomeação. Segundo essa interpretação, a publicação preventiva de um edital para a consulta no Boletim de Serviço da universidade antes da publicação da nova lei no Diário Oficial da União, tornaria as novas regras inaplicáveis, mesmo que a montagem da lista tríplice, a nomeação e até a consulta e inscrição de chapas ocorressem após a publicação da lei. Em algumas IFES tentou-se essa “publicação preventiva” como mecanismo para assegurar a nomeação de não doutores. A Nota Técnica 448/2009 da Coordenação Geral de Legislação do Ministério da Educação demoliu essa argumentação, creio.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

PERGUNTAR NÃO OFENDE

Alô Pessoal,

Há alguns meses encaminhei uma mensagem fazendo comentários sobre a Direção da Escola de Engenharia da UFF. Nela, escrevi que gostava de “desafinar o coro dos contentes”. Algumas pessoas ficaram realmente enfurecidas com a frase. Consideraram um abuso. Fizeram protestos e reclamações.

Explicar o que se escreve é algo sem graça. Contudo, como aqui também tratamos de cultura, para os que não sabem, eu esclareço – essa frase, infelizmente, não é minha. Ela faz parte de um poema de Torquato Neto. Nascido em Teresina, no Piauí, Torquato era poeta, jornalista, cineasta, roteirista, ator e produtor cultural. Polemista, usava a sua coluna ''Geléia Geral'' para apoiar os novos artistas da música, cinema, literatura. Lutava não apenas contra as forças reacionárias da ditadura. Fazia críticas contundentes, por exemplo, às contradições do pessoal do Cinema Novo que atacava o governo mas realizava filmes com o dinheiro da Embrafilme, uma empresa estatal. Morreu aos 28 anos, em 1972.

A seguir, o poema de onde a frase foi tirada:

''Quando eu nasci, um anjo morto, louco solto louco, torto pouco
morto, veio ler a minha mão.
Não era um anjo barroco: era um anjo muito pouco.
Louco, louco, louco. Com asas de avião.
E eis que o anjo me disse, apertando a minha mão,
entre um sorriso de dentes:
vai bicho, desafinar o coro dos contentes''


Perguntas impertinentes podem desafinar o coro dos contentes, mas não significam nada sem as respostas adequadas. A seguir, apresento um conjunto de perguntas para as quais desconheço as respostas. Quem me der as melhores respostas ganhará, como prêmio, um bilhete de ida e volta Rio - Niterói (barcas). No caminho, o vencedor (ou vencedora) poderá refletir sobre os mistérios da vida, aproveitando uma das vistas mais deslumbrantes do mundo, que na correria do dia-a-dia deixamos de perceber.

A impertinência, caso exista, estará na sua resposta, cidadão. Ou não.

1) A UFF, aparentemente, cedeu para a Prefeitura de Niterói alguns milhares de metros quadrados na beira da Baía da Guanabara, no campus da Praia Vermelha. É uma faixa de terra comprida, que permitirá a duplicação da Avenida Litorânea. O muro separando essa faixa de terreno da UFF já está em fase adiantada de construção, meio escondido atrás da cerca de arame farpado que delimita a área original do campus. Para quem não conhece, informo que é um dos locais mais bonitos de Niterói, com vista para a entrada da Baía de Guanabara, Pão de Açúcar e Cristo Redentor (vejam as fotos em anexo). Por causa dessa cessão de terreno, alguns dos prédios que serão construídos na área, no âmbito do plano de expansão da UFF, deverão ser deslocados da posição original de projeto. É o caso do Instituto de Computação. Certamente, isso causará atraso nas obras. Ceder um terreno público federal para um poder municipal é tarefa difícil. Como foi o processo de consulta à comunidade e aos especialistas em urbanismo? O que a UFF ganhou em troca? Quando foi aprovada pelo Conselho Universitário a cessão do terreno com a conseqüente mudança do Plano Diretor da UFF ?

2) Para o bom andamento das obras do REUNI, decidiu-se contratar uma empresa especificamente para acompanhar o seu andamento e assegurar o cumprimento do cronograma. Qual o valor desse contrato? Qual a percentagem do valor total das obras gasto para este acompanhamento? Há atraso nas obras?

3) No Plano de Desenvolvimento institucional da UFF estabeleceu-se a meta de, no máximo, 5% das vagas de concurso para as classes de Assistente e Associado (o resto deveria ser para a classe de Adjunto). Qual a percentagem de concursos realizados na UFF para as classes de Assistente e Associado nos últimos 3 anos?

4) Finalmente, quando haverá consulta eleitoral para as Direções dos pólos?


Saudações acadêmicas
Heraldo







segunda-feira, 21 de setembro de 2009

CONSULTAS JÁ! (encaminhado em 19/09/2009)

“But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams”

Aedh wishes for the Cloths of Heaven
The Wind Among the Reeds. 1899.
W.B. Yeats (1865–1939).

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Pessoal,

Uma das peças chaves do programa de expansão da UFF é a consolidação dos pólos universitários. Em alguns casos, como em Volta Redonda, o pólo tem um número grande de docentes, funcionários e alunos e é constituído por alguns Departamentos que funcionam há décadas.

Recentemente, o Colegiado do pólo de Volta Redonda aprovou por unanimidade a proposta de eleições para a sua Direção. Porque não se faz logo a consulta eleitoral?

Apesar de falhas no sistema, ainda não inventaram nada melhor do que a consulta direta para aferir os desejos de uma comunidade. A alternativa, defendida por alguns, seria um sistema de busca feito por comitês externos, com regras claras e mandato para o escolhido. Contudo, a indicação para Direções de Unidades e de Pólos segue regras análogas às para a escolha de Reitor e são regidas por lei. A Lei no 9.192, de 21 de dezembro de 1995, o Decreto no 1.916 da Presidência da República, de 23 de maio de 1996 e o Decreto nº 6.264, de 22 de novembro de 2007, regulamentam o processo de escolha dos dirigentes de instituições federais de ensino superior. Para facilitar o entendimento desses procedimentos, A Coordenação Geral de Legislação e do Ministério da Educação divulgou recentemente a Nota Técnica 448/2009.

O que temos, no momento, é um “buraco” legislativo. Sob o argumento da fragilidade dos pólos, dada a sua juventude, dá-se ao Reitor o direito quase absoluto de nomear e remover Diretores sem comitês externos de busca, sem lista tríplice, sem mandato, sem a necessidade de justificativa pública e sem mecanismos coletivos de controle, acompanhamento e consulta. Creio que é o pior dos mundos. Pode estar em desacordo com a legislação federal.

Mesmo bem intencionados, o Reitor e o Diretor nomeado acabam, nesse processo, fragilizando o bem mais precioso de uma universidade pública – a Democracia Universitária. Tenho certeza de que esse sistema quase absolutista de nomeação será uma fonte permanente de tensões e crises na universidade.

É óbvio que, na busca por um maior controle administrativo e estabilidade política, é tentador para um Reitor manter esse poder quase absoluto. Contudo, vale para a universidade o que vale para a sociedade – essas tentações de poder absoluto, compreensíveis, devem ser imediatamente anuladas. É inacreditável que, nessa altura da história do país, as universidades públicas fiquem aquém do resto da sociedade em termos garantias democráticas e representação.

A ilusão de que um Marquês de Pombal do século 21 seria a solução para a gestão de uma universidade pública (incluindo aí, seus Pólos e suas Unidades) é perigosa. Ninguém é perfeito e ninguém é imune às tentações do poder. Por isso mesmo, o sistema legal ideal dentro da Universidade deve impedir que qualquer dirigente sequer seja tentado e/ou testado.

Eu acredito na possibilidade democrática de compartilhamento de poder. É absolutamente viável um sistema de gestão mais moderno, eficiente e transparente. Sistema criado pela necessidade e não pelo fato dos envolvidos serem seres humanos melhores ou mais iluminados. Minha preocupação, no caso dessas indicações sem participação coletiva, é com a possibilidade de se criar um ambiente de descrédito e frustração na Política como instrumento de organizar/modificar a nossa vida acadêmica.

Consultas já para os pólos!

Saudações acadêmicas
Heraldo
Mensagem encaminhada pelo Professor Emanuel (Vice-Reitor da UFF) como resposta ao texto O OUTONO DO PATRIARCA, encaminhado por mim à lista de e-mails usada para algumas de minhas comunicações

"Prezado colega Heraldo,

Peço que você publique esse meu comentário-resposta para o mesmo universo de pessoas que receberam a sua comunicação inicial. Isso é um princípio da democracia que julgo importante e que tenho certeza que compartilhamos.
Quero me solidarizar inteiramente com a sua postulação. Podemos ter todas as divergências em questões substantivas mas não tenho nenhuma dúvida em afirmar que estamos entre os que almejam e lutam por uma universidade pública de qualidade, competente e capaz de levar a bom termo a missão constitucional de fazer com autonomia e de forma indissociável o ensino, a pesquisa e a extensão no nosso país.

Desde que recebi há dois dias atrás o informe do INEP acerca do IGC que me preparava para fazer a avaliação que você tão bem fez, antecipando questões que precisam ser objeto de análise cuidadosa das instâncias responsáveis por políticas institucionais na nossa universidade, quais sejam o Conselho Universitário, Conselho de Ensino e Pesquisa e o Conselho de Curadores. Precisamos abandonar a prática de querer transformar tudo em mera peça de campanha, divulgando o que interessa e não se manifestando sobre o que obriga a reflexões. Foi assim que aconteceu com o resultado do "Webometrics Ranking of World Universities", que por colocar a UFF em 23o. lugar no ranking da América Latina mereceu destaque na nossa página institucional, diferentemente do que aconteceu com a publicação do IGC que coloca a UFF com o mais baixo índice entre as universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro e por essa razão não é sequer divulgado.

A Universidade deve ser o lugar por excelência das conversações tecno-politicas, científicas e culturais e, por essa razão, vejo com bons olhos todos os que não temem o debate, como é o seu caso. Expor-se é o método da ciência, ao contrário do esconder-se que é o método da baixa-política que leva a escândalos e atos secretos como o que vive atualmente a mais alta instância política do nosso país, o Senado Federal.

Estamos vivendo neste exato momento uma situação absolutamente esdrúxula em torno da tentativa da cúpula dirigente da universidade (da qual estou fora, mesmo sendo, infelizmente, o Vice-Reitor de um Reitor autoritário e anti-democrático com o qual não compactuo definitivamente há um bom tempo) de escamotear, procrastinar ou descumprir a decisão já tomada pelo Conselho Universitário de realizar um plebiscito sobre a questão dos cursos pagos na universidade.
O método do autoritarismo é sempre o mesmo: ao invés do debate, as manobras procrastinatórias e regimentais que operam no sentido de impedir que a universidade fale, se manifeste, se expresse. Recentemente escrevi no meu blog (http://blog-do-emmanuel.blogspot.cm) um artigo intitulado “Quem tem medo de Virginia Wolf?” onde procuro refletir porque que os reacionários têm tanto medo do debate, preferindo a fraude ao enfrentamento. Curioso é que este não parece ser o comportamento dos meus colegas professores que coordenam cursos pagos na universidade e preferem debater abertamente com a comunidade acerca da relevância social e estratégica do que fazem do que serem prisioneiros dos “falsos protetores” que criam de um lado dificuldades para venderem de outro, as facilidades.

Recentemente comentei em um e-mail restrito aos que trabalham no meu Gabinete, mas que acabou vazando pra boa parte da UFF, sobre um processo de “sucupirização” da nossa universidade, numa referência à saudosa criatividade de Dias Gomes que retratou tão bem a baixa política no nosso país através da novela “O Bem Amado”, projetando a triste figura de um Odorico Paraguaçu, cuja única finalidade como dirigente máximo da cidade de Sucupira, na sua política de resultados, era encontrar um “morto” pra poder inaugurar o cemitério que se tornara a sua obra de maior relevância.
Vivemos situação não muito diferente na nossa universidade. O REUNI trouxe uma quantidade de recursos de toda ordem para a universidade, incluindo recursos de capital para a construção de prédios e reformas, recursos de pessoal, com a contratação de centenas de professores e técnicos, e recursos para organização da gestão, com CDs e FGs que estão sendo distribuídos fartamente segundo uma lógica meramente eleitoreira (evidentemente que toda lógica eleitoreira procura também fazer algumas coisas acertadas, até mesmo pra justificar a sua verdadeira intenção eleitoreira). Alguns colegas com quem tenho comentado essas questões levantam sua preocupação no sentido de que tomara que o “morto” almejado pelo neo-Odorico não seja a própria UFF.

Apenas pra se ter uma idéia do que estou falando, há pouco tempo atrás o Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, exibindo resultados e metas físicas invejáveis, inclusive aprovadas na prestação de contas de 2008 da universidade, foi afastado de suas funções numa jogada absolutamente micro-geo-política. A violência do ato foi encoberta entretanto com um convite para que o ex-Pró-Reitor se tornasse assessor do reitor com direito a gratificação compensatória. Agora aconteceu a mesma coisa no caso do Pólo de Volta Redonda. O ex-Diretor, com resultados considerados altamente satisfatórios do ponto de vista operacional, mas envolvido em disputas políticas locais, é substituído por um interventor de fora de Volta Redonda (como você muito bem registra na sua carta) mas, para deter a indignação que tal ato arbitrário poderia provocar, o diretor afastado é convidado a ser “assessor” do Reitor. Nada mais provinciano, fisiológico e desonesto do ponto de vista da lógica acadêmica.

Enfim, prezado Heraldo, estou plenamente de acordo com você quando diz que “diferenças políticas entre grupos numa universidade existem, são legítimas e normais. Numa universidade democrática, essas diferenças são resolvidas no voto”. Também eu penso assim e propugno não apenas eleições diretas já no Pólo de Volta Redonda como também no de Rio das Ostras, de Friburgo e de Campos. O maior disparate que já ouvi de um dirigente universitário foi quando o reitor da UFF, numa reunião com dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da UFF, afirmou que não fazia eleição em Volta Redonda porque lá nem todos podiam votar então ele votava por todos. Definitivamente, não quero esta UFF e para evitarmos a dolorosa vivência do outono do patriarca proponho que lutemos pela primavera da liberdade.
Saudações acadêmicas,

Emmanuel"
OUTRAS PALAVRAS SOBRE O IGC (encaminhado em 12/09/2009)

Caros colegas,

Retomo ainda a discussão sobre o IGC. É óbvio que a graduação é importante, tanto que ela induz os nossos indicadores para baixo. Alguém acredita que institucionalmente levamos as avaliações de cursos de graduação (todos nós, incluindo alunos e coordenadores de curso) com a mesma atenção do que nos cursos de PG? Em geral, essas avaliações são ignoradas sob o argumento de que o que conta é a nossa opinião subjetiva sobre nós mesmos.

Pois é, aparentemente, a graduação não é levada a sério, pois os indicadores são sempre apresentados como um complô maléfico do MEC para derrubar nossos cursos de qualidade indiscutível. Ou então a culpa é dos alunos de graduação que boicotam o ENADE. E a infra-estrutura? E o percentual de professores em regime de DE? E o percentual de doutores? Qual é a tendência das últimas contratações de docentes no âmbito do REUNI? Qual foi a legislação da UFF, apoiada pela PROAC, que permitiu transformar a pontuação dos substitutos no Banco de Docentes em contratações efetivas na UFF? Quantos professores no regime de 20 horas foram contratados nos últimos 2 anos dentro desse processo?

Podemos e devemos criticar metodologias, visando o seu aperfeiçoamento. Contudo, creio que é melhor alguma avaliação do que avaliação nenhuma. Com essas avaliações temos que "mostrar a cara" para a sociedade e fornecer explicações, caso elas existam. O fato é que não há no país uma tradição de se avaliar atividades ligadas à graduação. E, normalmente, docentes que não têm nenhum vínculo formal com pesquisa e pós-graduação buscam, por exclusão, se apresentar como os principais “especialistas” em graduação (já que não fazem mais nada além de ministrar cursos na graduação). Grande engano.

Insisto no fato do percentual de docentes com doutorado e percentual de docentes em regime de DE e a avaliação da infra-estrutura pesarem quase o mesmo do que as notas do ENADE. Insisto também no fato de universidades federais com dimensões semelhantes terem desempenho muito melhor do que a UFF nessa avaliação. Para uma análise real do desempenho da UFF, temos que "abrir" os números do IGC, curso a curso. Acho curioso alguém comentar esses indicadores sem se dar ao trabalho de ler a metodologia adotada. Até para criticar é necessário um mínimo de base científica.

O mais engraçado é que eu, sendo conhecido há anos como um crítico contumaz de alguns critérios adotados pelo MEC, seja para avaliação de cursos de graduação seja para a avaliação de cursos de pós-graduação, tenha que defender a necessidade de que alguma avaliação exista.

Por pior que seja a metodologia, quando comparamos avaliações de instituições de porte semelhante, sempre podemos concluir alguma coisa. E não estou falando dos tolos “rankings” de instituições nacionais apresentados na imprensa. Reduzir a discussão a uma simples querela entre graduação e pós-graduação também é um equívoco que só facilita as manipulações. O único fato objetivo é que a produção científica da UFF e os seus programas de pós-graduação, por estarem submetidos a um sistema de avaliação já bem consolidado, têm apresentado, em comparação com outras instituições semelhantes, desempenho muito mais vigoroso do que os cursos de graduação. Isso é evidente pela menção em destaque na página da UFF à boa classificação no "Webometrics Ranking of World Universities" (que mede produção científica) e a omissão em relação à péssima classificação no IGC.

A tomada de decisões em relação à política acadêmica deve se basear, também, em indicadores objetivos e não pode ser limitada às circunstâncias imediatas da política institucional. Aparentemente, todos concordamos que a avaliação reflete a nossa realidade em termos de pesquisa e de pós-graduação. Todos concordamos que a avaliação dos cursos de graduação não reflete a nossa realidade. Todos concordamos que, além de outros indicadores, a nota do ENADE afeta negativamente o nosso desempenho no IGC. Todos concordamos que isso se deve a boicote de alunos e/ou ao pouco caso com que esse exame é tratado pelos alunos.

Disso, podemos extrair algumas conclusões. Outras instituições de porte semelhante à UFF passam pelo mesmo problema que nós (boicote dos alunos), mas estão lidando bem melhor com essa questão, pois têm avaliações melhores do que as nossas. Podemos ter duas alternativas, que não são excludentes: (i) Os alunos estão boicotando o ENADE, pois estão sendo pressionados a não participar do exame ou a entregar provas em branco por um grupo pequeno, mas agressivo, que os intimida, muitas vezes fisicamente. Se isso for verdade, estaremos sendo fracos na defesa da nossa maior conquista, que é a Democracia Universitária. Ser omisso em relação a esse tipo de comportamento seria equivalente a olhar o “ovo da serpente” sem nada fazer ou reagir. Sabemos onde isso poderia nos levar. Ser leniente com esses alunos “porque eles votam” seria o máximo da irresponsabilidade. (ii) Os alunos não estão sendo pressionados, mas estão sendo realmente convencidos de que a melhor atitude política seria o boicote ao ENADE. Nesse caso, estaríamos perdendo a disputa política/ideológica, mesmo tendo contato com esses alunos ao longo de todos os anos que eles passam na Universidade. Propor o boicote é uma atitude politicamente legítima (apesar de completamente equivocada). Nós é que estaríamos perdendo corações e mentes nesse processo.

Qualquer que seja a alternativa, ela mostra que não estamos tratando institucionalmente a questão com a importância que ela merece. É essa a grande questão: não estamos levando em conta alguns dados óbvios e significativos na implementação de políticas institucionais para a graduação (e para a universidade). Quantos de nós já levou esse debate para as salas de aula? Quantos de nós buscou levar esse debate para os diferentes fóruns democráticos? Quantos de nós pediu para que os dados referentes ao IGC fossem abertos curso a curso? A impressão que tenho é a discussão sobre esse assunto é vista por muitos como uma impertinência, pois põe em cheque cômodas “verdades” já estabelecidas e é vista como um certo desrespeito às autoridades constituídas. A discussão cordial e a crítica serena não deveriam ser tratadas com toda essa reserva, já que, aparentemente, ninguém reivindica o dogma da infalibilidade de nossas políticas institucionais e/ou de nossos dirigentes.


Saudações acadêmicas
Heraldo
EXPLICA, MAS NÃO JUSTIFICA (encaminhado em 10/09/2009)

Caros colegas,

Não é possível discutir indicadores sem entender como funcionam. Em anexo, encaminho arquivos com as metodologias do CPC (usado no IGC) e do próprio IGC. Caso se dêem ao trabalho, verão que a nota do ENADE tem peso de 40% do CPC, 30% se referem à infra-estrutura e instalações físicas, percentual de professores doutores, e percentual de professores em regime de DE. Os outros 30% se referem ao Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado ( IDD).

Todas as explicações dadas até o momento não esclarecem porque universidades federais de porte semelhante tiveram avaliação tão superior a da UFF.

Abaixo encaminho novamente as contas feitas no ano passado:

IGC caso a UFF só tivesse cursos de mestrado:
I = (1/2) (4,0902+5) = 4,5451
454 pontos

IGC caso a UFF só tivesse cursos de doutorado:
I = (1/3) (2,8901+10) = 4,2967
430 pontos

IGC caso a UFF não tivesse cursos de graduação (só mestrado e doutorado):
I = (0,6151/2) (4,0902+5) + (1-0,6151) (2,8901+10)/3 =
= ( 0,30755 ) ( 9,0902 ) + ( 0,3849 ) (12,8901)/3 =
= 2,79569101 + 1,65379983 = 4,44949084
445 pontos

IGC caso a UFF só tivesse cursos de graduação
I = 2,5128
251 pontos

IGC caso o Conceito Médio da Graduação fosse 3,5 (no lugar de 2,51)
I = (0,714) (3,5) + (1-0,714) (0,6151/2) (4,0902+5) + (1-0,714) (1-0,6151) (2,8901+10)/3=
= 2,499 + (0,286) ( 0,30755 ) ( 9,0902 ) + (0,286) ( 0,3849 ) (12,8901)/3 =
= 2,499 + (0,286) (2,79569101 + 1,65379983) = 2,499 + 1,27255438024 = 3,77155438024
377 pontos

Saudações acadêmicas
Heraldo
O IGC E O OUTONO (encaminhado em 04/09/2009)

“A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.”
Ricardo Reis, 1-7-1916

Caros colegas, eu havia decidido ficar um bom tempo sem me manifestar publicamente em relação a assuntos da UFF. Contudo, fatos recentes me convenceram a retomar a nossa saudável corrente de discussão.

Muitos me perguntam porque eu estou adotando um estilo eventualmente hermético e metafórico em algumas das minhas mensagens, parecendo um daqueles filmes antigos do Carlos Saura – difíceis de entender devido a uma linguagem muito cifrada. Eu explico - assim como o famoso diretor espanhol, sei que em rio que tem piranha, jacaré nada de costas. Meus motivos são parecidos com os dele, é claro.

O IGC 2008

Recentemente foi divulgado pelo MEC o Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC) referente ao ano de 2008. Já comentei bastante sobre este índice no ano passado e, caso haja interesse, posso enviar por e-mail a quem solicitar o material em minhas mãos (metodologia, dados estatísticos , etc.). Basicamente o IGC é um indicador para avaliação de instituições de educação superior que considera, em sua composição, a qualidade dos cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado e doutorado). No que se refere à graduação, é utilizado o CPC (conceito preliminar de curso) que leva em consideração, além de resultados de avaliação de desempenho de estudantes, infra-estrutura e instalações, recursos didático-pedagógicos e corpo docente. No que se refere à pós-graduação, é utilizado o conceito dos cursos na CAPES. O resultado final está em valores contínuos (que vão de 0 a 500) e em faixas (de 1 a 5).
O IGC da UFF foi de 306 em 2007 e de 308 pontos em 2008, sendo a universidade pública com o IGC mais baixo no Estado do Rio de Janeiro.

Algumas observações:

(1) a avaliação da UFF, como no ano passado, foi excelente para os cursos de Pós-graduação e ruim para os cursos de graduação, que puxaram a média para baixo. A evolução crescente da pesquisa e pós-graduação na UFF é mais facilmente verificada quando olhamos o "Webometrics Ranking of World Universities" no qual ficamos em 23o lugar na América latina. No IGC, somos a 41a universidade no Brasil. No ano passado, se o conceito Médio da Graduação fosse 3,5 em 5 no lugar de 2,51 a UFF ficaria em primeiro lugar no estado do Rio de Janeiro entre as universidades públicas. Como a nota 2,51 não reflete a qualidade real dos nossos cursos de graduação, a média vai para baixo.

(2) É bastante claro que o IGC só é adequado para comparar instituições de porte semelhante, já que não leva em conta a quantidade de alunos (apenas as médias são consideradas) e tende a favorecer as estruturas menores, com menos cursos e, portanto, mais “enxutas”. Também é claro que as avaliações dos cursos de graduação são problemáticas, principalmente nas universidades com muitos cursos, devido a boicote de alunos.

(3) Contudo, nada disso explica porque na graduação a UFF ficou tão atrás de tantas universidades federais de porte semelhante (UFMG, UFRGS, UFRJ), todas com o mesmo problema de boicote de alunos. A explicação, caso exista, é complexa. Contudo, não creio que o principal problema esteja exclusivamente nos alunos de graduação. Apresento uma informação para que cada membro da comunidade da UFF possa montar o seu quebra-cabeças: TODOS os dirigentes dessas universidades mais bem avaliadas deram a mesma explicação para uma das chaves para o seu relativo sucesso – qualidade do corpo docente com maioria de doutores em regime de DE, fazendo a justa ligação entre pesquisa e pós-graduação com a graduação. A composição do corpo docente de uma IFES tem peso expressivo nas avaliações de cursos, seja na graduação seja na pós-graduação e tem, também, peso expressivo na determinação do seu orçamento. Num momento de expansão da UFF, com um aumento muito expresivo das contratações de docentes, temos que observar as políticas de contratação das universidades mais bem avaliadas e refletir sobre esse assunto.

O OUTONO DO PATRIARCA

Recentemente fui informado de que teria havido a substituição do Diretor do Pólo de Volta Redonda. Seria um fato relativamente dentro da normalidade que, contudo, me chamou a atenção devido a forma como a substituição foi anunciada publicamente. O novo diretor teria sido anunciado como uma “pessoa jurídica” que estaria ocupando a função não pelos méritos própios mas como um interventor representante da Escola de Engenharia de Niterói no Pólo. Essa intervenção objetivaria “unir” grupos políticos com opiniões divergentes sobre a administração do pólo. A intervenção de uma Unidade de Niterói num Pólo do interior é fato muito inusitado. Mais ainda porque não reflete a opinião dos docentes da Escola de Engenharia de Niterói. Se foi verdade a informação passada para mim, alguém usou o nosso (da Escola de Engenharia) nome em vão.

Não sei porque, ao saber desse fato, me lembrei do senador José Sarney e de um artigo sobre ele na Folha de São Paulo intitulado “O Outono do Patriarca” (título de um livro do Gabriel Garcia Marques sobre a decadência de um cacique político). O artigo diz: “Na solidão do poder, Sarney vive seu outono do patriarca ... mergulhou no vício solitário do poder e vive o autêntico outono do patriarca. ...” . O Senador Sarney, com uma biografia indubitavelmente rica, ao iniciar um claro processo de decadência política no Maranhão, buscou sobrevida política aceitando se submeter politicamente ao senador Renan Calheiros, atropelando muitos aliados para se firmar como Presidente do Senado. Resultado – uma das maiores crises políticas dos últimos anos no Congresso Nacional.

Diferenças políticas entre grupos numa universidade existem, são legítimas e normais. Numa universidade democrática, essas diferenças são resolvidas no voto. Para mim é inacreditável que num pólo com tantos cursos (graduação e pós-graduação) e tantos docentes, não haja ninguém competente o suficiente para geri-lo de forma eficiente. Aparentemente o Colegiado do PUVR votou uma moção a favor de uma consulta eleitoral para a sua Direção, aprovada por unanimidade. Vamos ver onde isso vai parar. Aguardo um posicionamento do CUV. Eleições diretas no PUVR e nos demais pólos!

Saudações acadêmicas,
Heraldo