segunda-feira, 5 de abril de 2010

DESFAZER ILUSÕES NÃO É DESENCANTO

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Ricardo Reis (João Pessoa), 1-7-1916

Pessoal,

Sempre acompanhei de perto os processos políticos dentro da UFF. Vício incontrolável que eu tenho, sempre me manifestando publicamente em todas as vezes que tive alguma chance.

Como todo mundo já sabe, novamente teremos consultas para Reitor na UFF, aparentemente de 18 a 20 de maio, caso nenhuma novidade aconteça. Certamente não vou ficar calado.

I - DESFAZER ILUSÕES NÃO É DESENCANTO

Temos vários especialistas em eleições universitárias na UFF – o que certamente NÃO é o meu caso. Portanto, me absterei de fazer comentários e análises sobre possibilidades, pesos, números e outras gracinhas sobre a alquimia eleitoral. O curioso é que muitos desses especialistas são inacreditavelmente competentes para eleger pessoas, mas, em compensação, aparentam ter um vazio completo na cabeça quando se trata de discutir políticas administrativas/acadêmicas para a UFF e o Brasil.

Como professor há tantos anos, já convivi com a falta de vocação, de talento e até de competência de alguns indivíduos, quase sempre fruto de uma escolha profissional equivocada. Apesar disso, há sempre os que, quando querem, superam suas limitações através do trabalho árduo e do estudo. Infelizmente há os casos perdidos. Encontrei pouquíssimos desses casos perdidos na minha vida de docente. Em compensação, na política (e não só na política universitária), tive o desprazer de conviver com uma percentagem enorme de energúmenos sem salvação possível.

Já apoiei pessoas que se comportaram de forma adequada durante processos eleitorais e, posteriormente, como energúmenos absolutos ao longo de seu mandato. A boçalidade total só é menos imperdoável do que a falta de cuidado/respeito com a coisa pública.

Como qualquer pessoa normal, me equivoquei nas minhas boas expectativas em relação a alguns representantes políticos no passado. Esperava muito de alguns e me decepcionaram. Bons candidatos, péssimos administradores. Coisas da vida. Contudo, a despeito eventuais falhas minhas na análise de pessoas, no essencial, continuo acreditando no que escrevi. Aliás, há muitos anos li em algum lugar, num contexto um pouco diferente, a seguinte frase: “desfazer ilusões não é desencanto – é aprumar a voz para cantar ainda mais forte”. Vamos cantar forte, então.

Encaminho a seguir um texto escrito por mim já há muito tempo. É uma reflexão sobre as bases para se compor, de forma ética e democrática, uma maioria para a gestão eficiente da universidade. Continua atual, creio.


II - VIVA A UNIVERSIDADE VIVA


A sociedade está mudando muito mais rápido do que a Universidade Pública no Brasil. Isso não me parece algo antinatural numa sociedade moderna. Tradicionalmente careta e conservadora, a Universidade, tal qual foi concebida há séculos, sempre teve dificuldade de acompanhar as transformações sociais. O surpreendente, contudo, é constatar a forma rápida como a Universidade Pública brasileira está perdendo “o bonde da história” nesse processo de acompanhamento das transformações da sociedade brasileira.

As Universidades Públicas, que foram vanguarda no processo de consolidação democrática no país, apresentam, aparentemente, ainda, certas características da política de clientela que morreu há décadas na maioria das grandes cidades e que só sobrevive nos grotões. Vemos pressões, ações que pode ser confundidas com intimidação e/ou perseguições, um concreto receio das pessoas de se manifestar publicamente e um “senso comum” de que “as coisas são assim mesmo” e “é ingenuidade acreditar que possa ser diferente”.

É um discurso antiquado, que caminha na contramão do que se passa no país, que está mudando rapidamente e consolidando cada vez mais as instituições públicas democráticas.

Com o aumento do orçamento para investimento nas IFES (incluindo aí a UFF), é necessário abandonar os antigos paradigmas de gestão, típico de empresas familiares, na qual um “pai patrão” distribui mesadas aos filhos obedientes e pune os rebeldes, criando mecanismos mais eficientes e transparentes de tratar os recursos públicos.

Uma gestão amadora, baseada em vínculos pessoais, pode ser ter sido uma boa opção quando o orçamento e complexidade da UFF e das unidades eram pequenos. Como numa empresa com gestão familiar que cresceu, para evoluir além de um certo ponto, torna-se necessário romper velhos paradigmas e optar por mecanismos mais eficazes e profissionais de gestão. Nesse caso, a transparência não é resultante de uma maior grandeza pessoal dos gestores, mas sim uma exigência para se obter resultados melhores com o mesmo volume de recursos.

Prestações de conta sistemáticas ao final de cada ano, junto com uma estimativa pública do orçamento disponível para o ano seguinte, são fundamentais para se estabelecer prioridades, definir programas estruturantes e se fazer escolhas, uma vez que as necessidades ainda são muito maiores do que os recursos disponíveis. A definição de indicadores que permitam aferir periodicamente a eficácia das políticas implementadas também é essencial.

Ao contrário do que pensam alguns colegas, o principal dilema hoje nas universidades federais não é a possibilidade de apropriação pública de recursos de origem privada, o que, segundo alguns, poderia “quebrar” toda a lógica de gratuidade do sistema. Para mim o grande desafio ainda é o estabelecimento de mecanismos que impossibilitem, nas universidades, a apropriação privada de recursos e bens públicos.

O bom sistema é aquele que não dá chance ao gestor de ter a sua probidade testada. Quando indivíduos, e não instâncias colegiadas, podem decidir sobre taxas, sobre renunciar ou não a receitas, sobre a distribuição das oportunidades, surgem as seguintes questões: Quando esse tipo de atitude pode caracterizar um conflito de interesses? Quando esse tipo de atitude pode caracterizar o uso de cargo público para obter vantagens para si ou para terceiros? Qual o limite da ética, a fronteira?

Apesar de a UFF estar passando por um processo de afirmação e modernização que é irreversível, este processo poderia (e ainda pode) ser mais dinâmico, dependendo das capacidades de gestão. Sem amplas maiorias, há, grosseiramente falando, duas alternativas para viabilizar a condução da gestão da Universidade - (i) compor uma direção pouco aberta, cuja base de apoio seria formada principalmente através de cooptações pessoais envolvendo cargos, vantagens e os mais diversos tipos de benesses pessoais, financeiras ou não; (ii) uma gestão na qual, a partir de certos princípios mínimos, a gestão seria compartilhada, gerando uma maioria que viabilizaria a governabilidade.

Não faço juízo moral das pessoas e não vejo a disputa política como uma luta do bem conta o mal. Estou convencido, contudo, de que a primeira alternativa para viabilizar a gestão da UFF (e de suas Unidades), mencionada no parágrafo anterior, objetivamente induz a um comportamento menos ético dos dirigentes.

Um “rachuncho” coletivo de cargos e funções, tradicional forma de se iniciar diálogos para a formação de alianças, mesmo antes de se ter diretrizes políticas mínimas para o médio e longo prazo é um tiro no escuro e a certeza de uma (mais uma) crise anunciada para o futuro.

Para que a segunda alternativa dê certo, contudo, é fundamental a existência de um projeto de futuro comum para a universidade, pois como diz o ditado – não há vento favorável para quem não sabe para onde se dirige. Além disso, é fundamental a maturidade política dos envolvidos, visão de longo prazo e alguma percepção dos processos políticos em andamento. Os caminhos para atingir alguns objetivos comuns de longo prazo podem ser os mais variados possíveis. Isso não seria um problema, pois é aí que entram a discussão e a disputa política legítimas.

Sem nenhuma ingenuidade e sem buscar nutrir falsas expectativas de mudanças extraordinárias, acredito que podemos quebrar velhos paradigmas e criar as bases de um sistema de gestão mais moderno, eficiente e transparente. Sistema criado pela necessidade e não pelo fato dos envolvidos serem seres humanos melhores ou mais iluminados. Manifestei essa minha opinião na última consulta para reitor. Continuo acreditando nisso.

Surpreendentemente, muitos colegas têm receio de se manifestar publicamente. Alguns, por medo de perderem supostas “vantagens” (investimento em laboratórios, prédios, etc.) caso desafiem em voz alta o poderoso de plantão. Tenho certeza de que, apesar do evidente jogo de pressões que existe em todos os processos políticos, esse receio é muito mais produto de uma “cultura do medo” já enraizada do que fruto de atos concretos de quem quer que seja. Contudo, uma universidade que se cala é uma universidade morta. Não lutamos tanto para consolidar a normalidade democrática no país para, no limite, abaixar a cabeça para supostos donos de pequenos poderes dentro da Universidade.

Todos nós queremos a universidade viva. Portanto, é fundamental dar voz àqueles que acreditam ser necessário buscar alternativas e fazer mudanças, muitos dos quais andam muito desiludidos ou ainda têm medo de se manifestar publicamente.

Um novo tempo exige novas atitudes. EXIGE, PRINCIPALMENTE, PARTICIPAÇÃO ATIVA DE TODOS E COBRANÇA.

Despeço-me dos colegas tornando público um dos meus desejos para o ano do cinqüentenário da UFF: maturidade a todos os protagonistas políticos e a unidade dos que acreditam ser necessário buscar alternativas e fazer mudanças, sempre respeitando a democracia universitária na permanente busca da qualidade acadêmica.

Saudações universitárias
Heraldo

PS: Aviso aos navegantes - Posso ser chato, mas não sou candidato a nada.







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