quinta-feira, 8 de abril de 2010

MINIMUM MINIMORUM

Oi Pessoal,

Estamos em plena vigência do processo eleitoral para Reitor da UFF – uma espécie de temporada legalizada de caça ao voto dentro da comunidade universitária. Para haver composições eleitorais legítimas, numa universidade tão complexa e plural como a UFF (ainda bem!), certamente muitos terão que ceder em algumas questões que julgam importantes. Contudo, isso jamais pode significar abrir mão de princípios e conceitos que se julgam essenciais.

E O QUE É ESSENCIAL?

Fosse eu o dono da Verdade, vendela-ia a quilo (ou a metro, sei lá), ficando rico e famoso. Pobre de mim, que não chego nem perto desse sucesso filosófico-existencial-comercial. Contudo, cabeçudo, sempre considerei as minhas convicções como verdades, pelo menos até alguém conseguir me convencer do contrário.

No caso da UFF, a universidade praticamente avança em modo automático, graças aos seus grupos de pesquisadores, programas, departamentos, etc. Basta o Reitor não atrapalhar muito. A burocracia excessiva, como o DETRAN há alguns anos atrás, só é boa para os que querem criar dificuldades para vender facilidades mais adiante. Contudo, do ponto de vista da Administração Central, há alguns erros imperdoáveis sendo cometidos e cuja correção seria piso mínimo para qualquer projeto de futuro ou apoio que eu pudesse dar a algum candidato. Aí vai:

1 – UMA POLÍTICA ORÇAMENTÁRIA DEMOCRÁTICA. Por um triz chegamos a um compromisso entre democracia e eficiência no planejamento orçamentário da UFF. O chamado “PDI” da UFF se tornou muito maior do que qualquer política burocrática de governo. Tratava-se (trata-se?) de um conjunto de programas estruturantes discutidos com a comunidade visando: (i) um melhor planejamento orçamentário anual, no caso de investimentos; (ii) desenvolvimento de mecanismos democráticos para acompanhamento e controle não somente dos investimentos, mas também das verbas de custeio, principalmente dos grandes contratos (energia, segurança e vigilância, limpeza, manutenção de elevadores, etc.). Isso permitiria controlar desperdícios, evitando “gargalos” orçamentários, de forma que houvesse, de fato, recursos para investimentos dentro do orçamento disponível (redução nos gastos de custeio com maior qualidade nos gastos para investimentos).

Perdemos quase que completamente o bonde da história nesse caso, numa administração desastrada que ficou embasbacada com os recursos temporários do REUNI, sem ter a menor noção de controle orçamentário ou visão de médio e longo prazo. Abandonamos quase todos os bons mecanismos de execução orçamentária e de planejamento, tão duramente conquistados ao longo de anos em diferentes administrações da UFF. O ponto de partida para qualquer administração futura com alguma prevenção de eficiência seria recuperar essa história de sucesso tão rica e jogada praticamente no lixo.

2 – UMA POLÍTICA TRANSPARENTE PARA ALOCAÇÃO DE VAGAS E CONTRATAÇÕES. Há muitos anos atrás, a alocação de vagas distribuídas pelo MEC para a UFF era fruto de um acordo feito entre o Reitor e os Diretores de Centro. Fortemente criticado pela maioria da comunidade (e eu fazia parte dos que criticavam), esse critério era apontado como pouco democrático, possibilitando alguns equívocos e manipulações. Por outro lado, como ponto positivo, estava a efetiva agilidade do processo (só o Reitor e os 4 diretores de Centro estavam diretamente envolvidos) e o fato de envolver alguns dos principais protagonistas do processo político da universidade.

Há alguns anos, o Conselho de Ensino e Pesquisa da UFF (CEP) buscou criar uma legislação mais democrática (Resolução 46/2005), baseada nos indicadores dos Departamentos de Ensino, e focada nesses Departamentos. Como todo processo político, sempre teve um viés de favorecer áreas com maior peso na Universidade (peso político e não necessariamente acadêmico), mas significou um enorme avanço nos mecanismos de decisão da UFF, tornando-os um pouco mais impessoais. Como Conselheiro do CEP e membro da Comissão de Redação do anteprojeto, tive a honra de participar desse rico processo de discussão, muitas vezes em posição minoritária, mas reconhecendo que a legislação resultante era muito mais democrática e refletia claramente o que éramos como instituição.

Para minha surpresa, no caso da alocação de vagas do REUNi, não valeu a legislação vigente e o CEP foi excluído da discussão do processo de expansão da UFF. As vagas foram distribuídas usando-se um estranho critério por Unidades, independente do número de Departamentos (e cursos) de cada uma delas. Minha conclusão é que ficamos no pior dos mundos – foi usado um “critério” pouco democrático e que não respeitou os Departamentos e nem a legislação vigente. O grupo formado pelos Diretores de Unidade (dezenas de Diretores), embora importantíssimo e representativo, por sua natureza política e tamanho, não é ágil e adequado para decisões técnicas rápidas. Portanto, ficou pior do que no tempo dos Diretores de Centro. Andamos para trás.

Não há futuro para quem não olha o seu passado e nem respeita o seu presente. Cursos com dezenas de anos de tradição, bem avaliados pelo MEC, foram deixados de lado, pois sua expansão seria limitada. De fato, um curso como o de Medicina (exemplo aleatório, mas bastante representativo) não pode duplicar o seu número de alunos sem comprometer a sua qualidade. Aliás, seria um ato de irresponsabilidade dos seus Dirigentes. Por outro lado, é fácil expandir um curso numa área nova num local longínquo e com pouca infra-estrutura. Em tempo – a estatística pode ser enganosa e ser usada para iludir os menos informados – um curso com 4 alunos formados por ano pode facilmente passar a formar 8, isso significaria um aumento de 100% na sua taxa de sucesso!

Para que possamos ter um processo de expansão ordenado, temos que estabelecer critérios mais claros para a alocação de vagas, entre outras coisas. A qualidade do que vai ser oferecido é um ponto fundamental. Essa discussão, estatutariamente, queiram ou não, passa pelo CEP.

Finalmente, o “BANCO DE VAGAS” da UFF, não pode ser um instrumento de controle, pressão e manipulação, seja do Reitor ou de algum seu preposto, como um pró-Reitor para Assuntos Acadêmicos. O BANCO DE VAGAS DEVE SER PÚBLICO, acessível através do a página da UFF, e públicas devem ser as regras para a utilização (ou de trocas entre Departamentos de Ensino) da vagas nele disponíveis.

3- CONSULTAS DIRETAS PARA DIREÇÕES EM TODOS OS NÍVEIS. Apesar de falhas no sistema para escolha de Dirigentes nas universidades públicas, ainda não inventaram nada melhor do que a consulta direta para aferir os desejos de uma comunidade. A alternativa, defendida por alguns, seria um sistema de busca feito por comitês externos, com regras claras e mandato para o escolhido. Contudo, a indicação para Direções de Unidades e de Pólos segue regras análogas às para a escolha de Reitor e são regidas por lei. A Lei no 9.192, de 21 de dezembro de 1995, o Decreto no 1.916 da Presidência da República, de 23 de maio de 1996 e o Decreto nº 6.264, de 22 de novembro de 2007, regulamentam o processo de escolha dos dirigentes de instituições federais de ensino superior. O que temos, no momento, é um simulacro legislativo, sob indefensável argumento da fragilidade dos pólos, dada a sua juventude. O CUV vem concedendo ao Reitor o direito quase absoluto de nomear e remover Diretores sem comitês externos de busca, sem lista tríplice, sem mandato, sem a necessidade de justificativa pública e sem mecanismos coletivos de controle, acompanhamento e consulta. Creio que é o pior dos mundos. Pode estar em desacordo com a legislação federal.

Nesse processo, fragilizamos o bem mais precioso de uma universidade pública – a Democracia Universitária. Tenho certeza de que esse sistema quase absolutista de nomeação é e continuará sendo uma fonte permanente de tensões e crises na universidade.

É óbvio que, na busca por um maior controle administrativo e estabilidade política, é tentador para um Reitor manter esse poder quase absoluto. Contudo, vale para a universidade o que vale para a sociedade – essas tentações de poder absoluto, compreensíveis, devem ser imediatamente anuladas. É inacreditável que, nessa altura da história do país, as universidades públicas fiquem aquém do resto da sociedade em termos garantias democráticas e representação.

A ilusão de que um Marquês de Pombal do século 21 seria a solução para a gestão de uma universidade pública (incluindo aí, seus Pólos e suas Unidades) é perigosa. Ninguém é perfeito e ninguém é imune às tentações do poder. Por isso mesmo, o sistema legal ideal dentro da Universidade deve impedir que qualquer dirigente sequer seja tentado e/ou testado.

Eu acredito na possibilidade democrática de compartilhamento de poder. É absolutamente viável um sistema de gestão mais moderno, eficiente e transparente. Sistema criado pela necessidade e não pelo fato dos envolvidos serem seres humanos melhores ou mais iluminados. Minha preocupação, no caso dessas indicações sem participação coletiva, é com a possibilidade de se criar um ambiente de descrédito e frustração na Política como instrumento de organizar/modificar a nossa vida acadêmica.

4 - DEMOCRACIA E QUALIDADE. Um dos maiores desafios da UFF é buscar a desejada qualidade de seus cursos e pesquisas sem abrir mão da imprescindível Democracia Universitária. Não é um caminho fácil, mas também não é impossível: Não há a menor possibilidade de se construir uma universidade excelente do ponto de vista acadêmico se todos os processos internos, acadêmicos ou não, forem decididos de forma autoritária e centralizada. Também não se justifica uma universidade aberta, democrática, mas despreocupada com a formação acadêmica, com a criação de disseminação do conhecimento e com a qualidade.
5 – POR UM PODER LEGISLATIVO INDEPENDENTE NA UFF. Finalmente, esse é o meu “bode na sala”, dento desse texto. Questão que eu considero importantíssima, que independe do Reitor (provavelmente seria assunto para um novo Estatuto), e que sei ser ainda pouco aceita (e/ou entendida) por muito dos colegas que julgo parceiros nesse momento. Certamente, não despertará muitas adesões ou entusiasmo num primeiro momento. Contudo, vale a provocação.

Em qualquer lugar do mundo democrático civilizado busca-se a independência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Os Governadores não são Deputados natos (ou biônicos, como queiram) e nem os e Ministros são automaticamente senadores. Isso acontece por razões bastante práticas – eliminar focos de crises – pois o ritmo e as agendas dos diferentes poderes é muito diferente. Além disso, seria muito difícil desempenhar com eficiência tarefas que exigem muito esforço e dedicação em dois poderes diferentes.

No caso da UFF, os Diretores de Unidade são conselheiros natos no CUV e os Pró-Reitores, conselheiros natos do CEP. Foco de constantes crises, em função do embaralhamento de funções, em minha opinião. Independente de quem esteja desempenhando a função, as agendas dos Diretores de Unidade e Pró-Reitores são voltadas para os problemas executivos mais imediatos. É extremamente difícil pensar legislações futuras com demandas e pressões para solução de questões urgentes (e importantes). Além disso, como uma questão de preservação e fortalecimento de espaço político, pode se tornar tentador – vejam bem o tempo do verbo, não estou afirmando que isso acontece - evitar regulamentar muito as atividades acadêmicas, resolvendo caso a caso (e ano a ano) as questões acadêmicas recorrentes no âmbito dos Conselhos Superiores (vagas, taxas, etc). Tudo se resolveria num grande “balcão”. “Balcão” do bem, para alguns (em geral, ele é considerado “do bem” quando o indivíduo tem maioria para impor as suas visões de mundo), mas sempre “balcão”.

Outra conseqüência disso é a falsa convicção de que o CUV é um órgão “político” e o CEP um órgão “eminentemente técnico”. Separar a boa técnica legislativa do poder político é uma rematada tolice, ou uma grosseira mistificação. O exemplo mais claro disso é a importância da Câmara de Legislação e Normas do CUV (órgão mais “técnico” e o que desperta as maiores disputas). Acreditar que um CEP independente não teria força política é até engraçado (peço aos que não conhecem, que leiam as atribuições estatutárias do Conselho de Ensino e Pesquisa).

Não estou propondo excluir os Diretores e Pró-Reitores do processo, muito ao contrário, mas eles deveriam passar pelo crivo das urnas para acumular essas funções. Como são, de fato, representativos, não teriam nenhuma dificuldade em se eleger. Mas só seria eleito quem tivesse um mínimo de vontade e disposição para o exercício legislativo.

Saudações acadêmicas,
Heraldo

Pouso noturno

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