quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

DO FUNDO DO BAÚ

Pessoal,

Estava limpando os meus arquivos antigos quando encontrei o primeiro dos textos abaixo, encaminhado quando era membro do CEP, às vésperas da votação sobre a “adesão” ou não ao REUNI. Nele, como sempre fiz, tornei pública minha opinião e externei algumas preocupações sobre o futuro, caso não tivéssemos a maturidade necessária para entender o momento que a Universidade Pública está passando. Premonitório, acho que parte dos meus temores se concretizou.

O segundo texto também saiu “do fundo do baú” e trata do assédio moral no trabalho.

Uma das principais motivações para eu solicitar, em 2008, após dois anos de atividades, o afastamento da presidência da Comissão de Ética Pública da UFF foi uma certa frustração por não poder atender de fato as muitas pessoas que me procuraram tratando desse assunto.

O texto foi encaminhado para alguns colegas (técnico administrativos e docentes) enquanto eu ainda estava na Comissão. Ele é procedente pois, infelizmente, em alguns setores do serviço público, o assédio moral ainda é usado como instrumento para calar ou intimidar pessoas e/ou grupos que buscam manifestar suas opiniões.

Lembro que o assédio é uma questão de difícil verificação. Infelizmente, ainda buscamos fechar os olhos e fingir ignorar o que algumas vezes acontece ao nosso lado. O basta ao assédio depende da informação, organização e mobilização de todos nós.

Aí vão os textos, que dedico ao meu camarada João pela sua persistência e coragem. Por ousar lutar e conseguir vencer.

Heraldo

PS: Em breve será analisada no CUV a questão da consulta eleitoral para as Direções dos pólos e Unidades isoladas. Aos interessados – prestem atenção e conversem com os seus representantes.

SOBRE O REUNI

Colegas,

Em breve será apreciada, numa reunião conjunta dos Conselhos Superiores da UFF, a proposta de projeto da UFF elaborada para pleitear recursos dentro do REUNI – Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Como sempre fiz, desde que me tornei representante dos docentes do CTC no CEP, apresento a seguir minha posição pessoal sobre esse assunto para conhecimento de todos. Críticas e sugestões sobre o assunto são muito bem vindas.

Sou e continuarei sendo um ferrenho crítico do REUNI na sua forma atual, pela equivocada proposta acadêmica que o originou (a “universidade nova” – mesmo que tenha sido abandonada posteriormente), e pela forma como foi concebido. Dentro do processo de discussão desse programa há promessas de recursos inimagináveis na época FHC (os recursos adicionais sugeridos de forma virtual para a UFF até 2010 - cerca de 185 milhões de reais - teriam a mesma ordem de grandeza do que o previsto no mesmo período para a obra do arco rodoviário do Rio de Janeiro – 190 milhões de reais - dentro do PAC).

Além disso, há sempre risco real de se optar pela simples maquiagem de indicadores (bacharelados fajutos de 3 anos para “reduzir a evasão”). Há, ainda, outras questões dúbias que precisam ser mais bem definidas e explicadas para o efetivo estabelecimento de grandes programas de estado.

O argumento de que a reforma universitária “emperrou” no congresso e de que ela deve ser discutida de forma “fatiada” através de Decretos do Poder Executivo é muito ruim. Pior ainda é o argumento de que “só adere ao REUNI quem quiser” - mas, caso não haja adesão, não haverá nenhum aporte de recursos adicionais até 2010. É como se o Reitor da UFF outorgasse um novo Regimento para a Universidade sob o argumento de que essa discussão “emperrou” no CUV. Como complemento, ele diria candidamente – como sou um democrata, cada Unidade é livre para aderir, ou não, ao novo Regimento, mas, neste caso, ela não poderá participar de nenhum dos programas do PDI.

APESAR DISSO, INFORMO AOS SENHORES QUE VOTAREI FAVORAVELMENTE A QUE A UFF SUBMETA UM PROJETO INSTITUCIONAL DENTRO DESSE PROGRAMA para tentar algum recurso adicional do MEC, por três razões simples:

1) Não devemos nos excluir desse processo;
2) Não queremos ser excluídos desse processo.
3) O projeto, pelo menos no papel, é bastante razoável.

Recursos públicos são públicos. Não aceito ficar de fora em nenhum programa que traga recursos públicos para a UFF e nem caio na “casca de banana” da adesão voluntária. Além disso, se é para fazer algum tipo de desobediência, creio que o melhor seria receber os recursos do REUNI e ignorar solenemente algumas metas voluntaristas impostas artificialmente - difíceis ou impossíveis de cumprir e que ignoram a questão da qualidade acadêmica.

Dificilmente essas verbas serão cortadas até 2010, ano eleitoral, independentemente do cumprimento das metas. O que me preocupa é: (i) a gestão coletiva democrática desses recursos; (ii) a falta de capacidade de executar com competência projetos academicamente adequados em tão reduzido prazo de tempo, (ii) o “pós 2010”, quando, certamente, teremos cortes, dependendo da melhor ou pior capacidade de gestão e de execução de cada IFES; (iv) finalmente, também me preocupa se a verba de custeio das universidades aumentará proporcionalmente ao aumento de gastos devido à expansão (energia, água, segurança, limpeza, etc.).

Li com atenção o projeto proposto pela UFF. Ele não nos compromete com nenhum modelo pré-fabricado de universidade e é bastante adequado para o prazo em que foi redigido. Evita, de forma hábil, questões desnecessariamente polêmicas e aponta caminhos quase consensuais tanto do ponto de vista acadêmico como de infra-estrutura. Também não inventa soluções mágicas para a redução de evasão (como os bacharelados de 3 anos para todas as áreas do conhecimento). Em termos de compromissos só apresenta o seguinte:

“Em relação aos objetivos gerais do REUNI, propomos que a UFF se disponha ao seguinte:

1) reverter a tendência de evasão escolar, hoje em 45%, para alcançar uma RELAÇÃO APROXIMADA a 90% entre o número de diplomados em 2012 e de ingressantes em 2007;

2) alcançar, em 2012, o total de 40.576 matrículas e de 2.858 professores do quadro permanente, os quais, EM UM REGIME DE 8 HORAS DE AULAS POR SEMANA, SERÃO EM MÉDIA RESPONSÁVEIS CADA UM POR 2 TURMAS DE 42 ALUNOS, considerando as peculiaridades mencionadas no item (9) acima.”

Peço a todos os colegas que leiam, pelo menos, o resumo da proposta. Não posso discordar de nenhum ponto apresentado.

Não aceito em hipótese alguma que esse desejo de apresentar esse projeto signifique ADESÃO irracional e submissa ao REUNI. Adesão é coisa para esparadrapo ou para político corrupto. Temos um bom projeto acadêmico e queremos participar, respeitando a nossa visão de mundo e de universidade. Se entrar algum recurso adicional do MEC para realizar parte do que está escrito no projeto, para mim está OK, desde que haja uma ampla discussão sobre os mecanismos de gestão e acompanhamento internos dos mesmos. Isso não nos impedirá de ser críticos ao longo do processo (até porque não há nenhum sentido numa universidade acrítica). Não há nenhum impedimento para adaptar ou aperfeiçoar detalhes do que está sendo proposto.

Vejo o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais como um PROCESSO, que começou muitíssimo pior do que está agora, e que já foi bastante alterado, acreditem, porque muitos foram firmes em manter suas críticas dentro dos fóruns democráticos existentes. Vou continuar batendo.

Informo a todos que sou um ferrenho crítico de alguns critérios usados pela CAPES para avaliar os programas de Pós-Graduação “stricto sensu”. Contudo, como ainda acredito no sistema, participo buscando mudar esses critérios nos fóruns adequados. Caso não acreditasse nessa possibilidade, estaria abrindo mão dos financiamentos da CAPES (incluindo as bolsas) e buscando a criação de cursos de PG livres, independentes do MEC.Já critiquei muito duramente a maneira que a FINEP elaborou e divulgou alguns editais, principalmente no caso do CT-INFRA, mas sempre acreditei que deveríamos participar dos mesmos. Em alguns casos conseguimos, efetivamente, mudar velhos paradigmas e procedimentos.

Um raciocínio análogo vale para o REUNI. Ainda acredito no sistema criado ao longo dos anos para o ensino superior público (Conselhos das IFES, eleições para reitores, ANDIFES, sindicatos, etc, etc.). A não participação num processo como esse seria o reconhecimento de que esse sistema faliu, de que ele não pode ser aperfeiçoado e nem representar a vontade da maioria, e que não temos a menor chance de fazer prevalecer as nossas idéias – portanto só nos resta a desobediência civil. Não nos vejo num momento político tão dramático assim, muito ao contrário. Estou bastante confortável para criticar duramente e participar sem crises existenciais mais profundas. Não consigo entender o dramalhão mexicano que está sendo feito sobre esse assunto.

Também não conheço ninguém que seja contra a redução da evasão escolar e o aumento de vagas no ensino superior público, “mantendo exigências de qualidade acadêmica, de dignidade do exercício profissional e de autonomia das instâncias colegiadas da UFF” (texto tirado do resumo do projeto). Além disso, todos os indicadores imaginários propostos pelo MEC podem e devem ser revistos ao longo do processo, caso contrário estaríamos apenas pondo a nossa vontade na frente da realidade.

Caso esses recursos sejam repassados para a UFF, a grande e verdadeira batalha será pelo controle e a gestão democráticos do programa (pois o papel aceita qualquer coisa), pela fiscalização pública da utilização dos recursos, pela execução competente das obras, por uma política clara de contratações de docentes e pela existência de indicadores para aferir o impacto acadêmico dessas ações.

Saudações universitárias
Heraldo


O QUE É ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO?

É a exposição a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização.

Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para a pessoa e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, em alguns casos, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o "pacto da tolerância e do silêncio" no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, 'perdendo' sua auto-estima.

A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do indivíduo de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho.

A violência moral no trabalho constitui um fenômeno internacional segundo levantamento recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com diversos países desenvolvidos. A pesquisa aponta para distúrbios da saúde mental relacionado com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. As perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas, pois segundo a OIT e Organização Mundial da Saúde, estas serão as décadas do "mal estar na globalização", onde predominará depressões, angustias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho.
Estratégias do agressor:

-Escolher a vítima e isolar do grupo.
-Fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares.
-Culpabilizar/responsabilizar publicamente, podendo os comentários de sua incapacidade invadir, inclusive, o espaço familiar.
-Desestabilizar emocional e profissionalmente. A vítima gradativamente vai perdendo simultaneamente sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho.
-Destruir a vítima (desencadeamento ou agravamento de doenças pré-existentes). A destruição da vítima engloba vigilância acentuada e constante.
-Levar a vítima a gestos de desespero que podem levá-la a pedir demissão ou a ser demitida, freqüentemente, por insubordinação.

Explicitação do assédio moral:

Gestos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, piadas jocosas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do/a outro/a, estigmatizar os/as adoecidos/as pelo e para o trabalho, colocá-los/as em situações vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver ou ignorar sua presença, rir daquele/a que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir que peçam demissão, dar tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou mesmo irão para o lixo, dar tarefas através de terceiros ou colocar em sua mesa sem avisar, tornar público algo íntimo, não explicar a causa da perseguição, difamar, ridicularizar.

O basta à humilhação depende da informação, organização e mobilização de todos nós. Um ambiente de trabalho saudável é uma conquista diária possível na medida em que haja vigilância constante objetivando condições de trabalho dignas, baseadas no respeito ao outro, no incentivo a criatividade, na cooperação.

O combate de forma eficaz ao assédio moral no trabalho exige a formação de um coletivo multidisciplinar, envolvendo diferentes atores sociais: sindicatos, advogados, médicos do trabalho e outros profissionais de saúde, sociólogos, antropólogos e grupos de reflexão sobre o assédio moral. Estes são passos iniciais para conquistarmos um ambiente de trabalho saneado de riscos e violências e que seja sinônimo de cidadania.

Saudações Acadêmicas
Heraldo

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

50 ANOS

“Eppur si muove”
Galileu Galilei

A cidade de Brasília, a UFF e eu estamos fazendo 50 anos aproximadamente na mesma época (com alguns meses de diferença). Numero redondo e simbólico, pretexto para se olhar para trás, mas sempre vivendo o presente e sonhando com o futuro. Brasília é uma cidade surpreendente – patrimônio da humanidade, com um alto grau de complexidade e desenvolvimento, teve, nos últimos anos, 3 senadores cassados (ou que renunciaram para não serem casados) e um governador envolvido no chamado “escândalo do panetone”. Acho que os brasilienses (e os brasileiros) não merecem isso.

Acabei divagando nesse preâmbulo - vamos ao que interessa:

Prometi nas últimas mensagens encaminhar um texto intitulado “5 anos em 50”. Paciência. Farei algum suspense antes de apresentá-lo. Como quase todo cronista em época de férias, aproveitarei para “requentar” alguns textos antigos que, certamente, muitos não leram. Uma espécie de “melhores momentos” do programa. Após um breve período de descanso, volto mais diretamente ao tema prometido.

O texto a seguir foi intitulado “O espelho e eu”. É um texto de 2006. Quase fui processado (processado de verdade) quando o divulguei, aparentemente por estar “comparando a UFF com o Congresso Nacional” (!). Pode parecer engraçado, mas, sempre que tenho oportunidade, reitero tudo o que escrevi e republico. Aí vai.


O ESPELHO E EU (agosto de 2006)

Colegas,

Já fui muito criticado pelo que vou escrever a seguir, mas reafirmo – como estamos num regime democrático no qual ninguém é obrigado a escolher quem não quer, as nossas representações políticas (incluindo aí as Câmaras Municipais, as Assembléias Legislativas Estaduais, o Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado - e os Conselhos Superiores da UFF) são amostras bastante fiéis do que, de fato, nós somos como sociedade.

Outro dia me olhei no espelho e achei que a imagem estava com menos cabelo e com mais barriga do que eu na realidade. Provavelmente um defeito do espelho, pensei. Com as nossas instituições acontece a mesma coisa – a imagem que vemos não condiz com a idéia abstrata que temos de nós mesmos como sociedade, mas é a expressão da realidade.

A imagem da UFF e de nossos conselhos pode não agradar a algumas pessoas - mas ela é uma amostra fiel do que nós somos como instituição, do nosso grau de consciência política e do respeito que temos em relação à sociedade (somos servidores públicos, não é mesmo?).Se alguém não gostar dessa imagem, deve buscar mudá-la e não negá-la como sendo uma coisa “dos outros”, porque no seu entorno imaginário todos seriam sempre bacanas. ....

Saudações Universitárias
Heraldo

PS: Parabéns para a UFF.

Coincidentemente, após eu haver mencionado o texto “5 anos em 50”, e perguntado se haveria atraso nas obras do plano de expansão da UFF, algumas obras entraram em ritmo bastante acelerado. É claro que não há nenhuma relação de causa e efeito. Contudo, fico contente. Dizem que a empresa encarregada de acompanhar as obras foi mudada, mas isso eu não posso confirmar.

É bacana ver as obras do instituto de Computação finalmente andando. Fui um dos professores da UFF que acompanhou e apoiou de forma bem próxima a transferência do Departamento de Computação do falecido CEG para o finado CTC, visando a criação do IC . Eu era conselheiro do CEP na época, o prof. Pedro Antunes era o Reitor e o professor Cícero o então Diretor do CEG. Tenho sido, portanto, testemunha involuntária da luta pela construção do prédio do IC desde a primeira verba obtida pelos seus pesquisadores num projeto aprovado no primeiro CTINFRA (em 2001, eu creio). Portanto, uma história quase bíblica de mais de 7 anos.