terça-feira, 20 de outubro de 2009

POINCARÉ E OITICICA

Oi pessoal,

A programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia está sendo aperfeiçoada a cada ano que passa, e é muito oportuna a iniciativa de coincidir a Semana com a tradicional Agenda Acadêmica da UFF.

Portanto, nessa semana, resolvi dar um tempo nos temas mais específicos sobre a UFF e fazer comentários sobre outros assuntos. Retomo as questões específicas da nossa universidade nas próximas mensagens.

A seguir, apresento um texto voltado principalmente para os alunos. Como sempre, há alguma provocação no conteúdo. Num momento em que há muitas tentativas de fortalecer os laços dos alunos com a universidade prioritariamente através de atividades esportivas e/ou festas, vou num caminho diferente – aposto na reflexão e mando um “tijolaço” com breves considerações sobre estética, ciência e arte. Aproveitem.


I- CÉU DE ÍCARO, CÉU DE GALILEU


“O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso...”

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) , 15-1-1928



Sempre gostei muito de Filosofia da Ciência e, também, de História da Ciência. Os aspectos políticos, econômicos e filosóficos da ciência são, há muito tempo, temas de estudos (e de debates). Contudo, nesse texto, eu gostaria de fazer um breve comentário sobre um assunto correlato que sempre me encantou - a ligação entre Ciência e Arte, ou, mais particularmente, sobre uma “Estética da Ciência”.

É senso comum pensar na ciência como algo frio e imaginar os cientistas como pessoas sisudas, absurdamente pragmáticas, necessariamente insensibilizadas em razão da sua atividade profissional. Sob essa visão equivocada, o processo de criação científica seria quase o avesso do processo de criação artística. Grande engano.

A música “Tendo a lua”, do Herbert Vianna (um dos sucessos do “Paralamas do Sucesso”) diz que “O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu”. Nunca gostei dessa frase. Que me perdoe o compositor, mas há muita poesia no céu de Galileu. Basta estar aberto para ver, basta ter olhos para olhar. Portanto, me parece evidente que ainda pouca gente vê a (ou pensa na) dimensão estética da ciência. Isto é - há arte na ciência e, portanto, há, necessariamente, uma “estética da ciência”.

Não se trata de buscar, como muitos autores e filósofos já o fazem e fizeram, uma análise crítica comparativa entre ciência e arte, mas sim de se discutir uma “arte da ciência”. A dimensão estética da ciência reside no modo, ou seja no "como" o cientista representa seu objeto e não simplesmente no "quê" representa já que um mesmo princípio ou descoberta pode ser apresentado sob diferentes formas.

Faço parte de um grupo de pesquisadores que, além de comentar criticamente o conteúdo de um trabalho científico, também avalia a sua forma e as intenções ocultas do(s) seu(s) autor(es). Nesse grupo é usual comentar que um trabalho científico é “muito bonito” - nisso englobando organicamente tanto forma como conteúdo. Os trabalhos científicos bonitos me encantam. Neles há uma estética do simples e/ou do complexo conectando imagens, sonhos e poesia com o pensamento criador e científico.

Nesse sentido, é possível se fazer um paralelo entre compositores de música popular e cientistas. Assim como Roberto Carlos, Caetano Veloso, TomZé ou Zeca Pagodinho podem tratar de forma absolutamente diferente temas absolutamente semelhantes, na ciência, pessoas diferentes tratam temas semelhantes de forma (e com intenções) completamente diferentes.

Na ciência, como na música, é possível ser revolucionário ou conservador, alternativo ou cafona, profundo ou superficial. Há, como na música, os que fazem um sucesso estrondoso por 15 minutos e depois desaparecem e há os que não “explodem”, mas marcam gerações com uma seqüência consistente de trabalhos que dificilmente serão esquecidos. Na maioria dos casos onde há verdadeiro talento científico, trata-se basicamente de uma escolha pessoal e estética.

Para quem pensa que eu estaria inventando alguma novidade, informo que outras pessoas já se ocuparam desse assunto. Cito aqui Henri Poincaré - matemático, físico e filósofo da ciência nascido no século XIX, que também discutiu sobre a dimensão estética da Ciência:

“O sábio não estuda a natureza pelo fato dela ser útil; ele a estuda porque isso lhe dá prazer, e isso lhe dá prazer porque a natureza é bela. Se a natureza não fosse bela, não valeria a pena que ela fosse conhecida;

(...) a beleza intelectual basta a si mesma e é por ela, mais talvez que pelo bem futuro da humanidade, que o sábio se condena a longos e penosos trabalhos.”


Poincaré escreveu numerosas obras de divulgação científica que atingiram uma grande popularidade, como Ciência e hipótese (1902), O valor da ciência (1904) e Ciência e método (1908). Apesar de eu não ter uma visão tão romântica do papel da Ciência quanto o grande Poincaré, creio que seus livros ainda são uma leitura bastante interessante. Recomendo.



II - LÁGRIMAS PARA OITICICA

Apesar do fim de semana passado ter sido dominado por notícias envolvendo a questão da segurança pública no Rio de Janeiro, todos devem ter lido ou ouvido sobre o incêndio que destruiu a quase totalidade do “acervo técnico” das obras de Hélio Oiticica.

Um dos grandes artistas brasileiros, Oiticica sempre teve interesse em pesquisar novos esquemas de participação do espectador na obra de arte – Núcleos, Penetráveis, Bólides, Parangolés, Ninhos.

Os Penetráveis são instalações em forma de labirinto, onde cores e sensações táteis se sucedem num certo ritmo, que depende também do espectador.

A partir de meados dos anos 60 executa ambientes-participacionais, chamados de "manifestações ambientais". Em 1965, apresentou o Parangolé, primeira manifestação ambiental coletiva. O Parangolé, para quem não sabe, é uma espécie de capa (ou bandeira, estandarte ou tenda) que só mostra plenamente a partir dos movimentos de alguém que o vista.

Com uma arte que propunha uma direta ligação com o espectador e com a vida, é triste saber que Parangolés e Penetráveis estavam guardados “em condições controladas de temperatura e umidade”.

Mais do que tristeza causada pela destruição do acervo (algumas peças conceituais podem ser replicadas), o que me incomodou foi a forma tradicional como a arte de Oiticica está sendo vista e tratada. Um Parangolé guardado ou pendurado numa vitrine de museu me lembra um pedaço de carne pendurado no açougue ou algum tipo de animal morto empalhado. Eu preferiria que todos Parangolés e Penetráveis queimados nesse incêndio tivessem sidos manuseados, usados, rasgados, vividos e, talvez, completamente destruídos no contato com milhares de pessoas.

Nessa semana Nacional da Ciência e Tecnologia, fecho os olhos e sonho com uma “Casa da Descoberta” na UFF na qual a garotada do primeiro e segundo graus que nos visita, além de se divertir com os experimentos envolvendo conhecimentos de Física, Química, Biologia, etc, também tivesse a oportunidade de interagir e brincar ludicamente com Parangolés e Penetráveis. Conhecimento e Diversão. Ciência e Arte. Curiosidade e Descoberta. Tudo a ver.


Saudações acadêmicas
Heraldo

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