sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O SENADO BRASILEIRO E O ANJO DE LORCA

“Prado mortal de lunas
y sangre bajo tierra.
Prado de sangre vieja…

Me encontré con la muerte.
Prado mortal de tierra.
Una muerte pequeña…

Una muerte y yo un hombre.
Un hombre solo,
y ella una muerte pequeña…

Un hombre, ¿y qué?
Lo dicho.Un hombre solo y ella.
Prado, amor, luz y arena.”

Canción de la muerte pequeña
Federico Garcia Lorca (1933)


Oi pessoal,

Nos últimos tempos, não sei por que, tenho lido muito sobre a ditadura de Franco na Espanha. Misteriosa Espanha. Em sua história conviveram as mais elevadas e vanguardistas manifestações culturais junto com o mais bárbaro e absoluto obscurantismo.

No caminho, li e reli coisas muito interessantes sobre a chamada “geração de 27” (Rafael Alberti, Jorge Guillém, Vicente Aleixandre, Gerardo Diego, Luís Cernuda, Dámaso Alonso, Buñuel, Dalí, e Lorca,entre outros.)

Federico Garcia Lorca é, para mim, o expoente dessa vanguarda artística espanhola chamada de geração de 27. Ao mesmo tempo clássico e vanguardista, cerebral e delirante, foi ainda um excelente dramaturgo, pintor, compositor, e pianista. Hoje é considerado por muitos o maior autor espanhol desde Miguel de Cervantes. Num dia de agosto de 1936, sem julgamento, Lorca foi executado com um tiro na nuca pelos fascistas espanhóis e seu corpo foi jogado num ponto da Serra Nevada. Tinha 38 anos. Era o início da Gerra Civil espanhola (e prenúncio da segunda guerra mundial), que deixou mais ou menos 1 milhão de mortos.

Lorca era odiado por suas ligações com os republicanos, por seu anti-fascismo, por seu homossexualismo, por sua poesia, e até mesmo pelo modo positivo com que considerava a influência mulçumana na formação daquela região. Lorca reunia características intoleráveis para um fascista.

Creio que a questão da homossexualidade de Lorca foi supervalorizada para justificar o seu assassinato - com sua morte tentaram mesmo foi calar a voz (e a caneta) do poeta. Contudo, não se pode entender a obra de García Lorca sem levar em conta a sua homossexualidade. Não há sentido num Lorca assexuado, quando ele mesmo tematizou os amores proibidos, em “El Público” e nos “Sonetos del Amor Oscuro”, inéditos por décadas. A vida do artista não é uma mera curiosidade acadêmica. Ela está dentro da sua obra e lhe confere sentido.

E porque esse assunto me veio à cabeça? Nessa semana recebi um e–mail referindo-se a uma consulta que está sendo feita através do site do Senado Federal. Trata-se do Projeto de Lei (PLC 122/2006) que pune a discriminação contra homossexuais. Observem que são se trata de um projeto de apoio ao homossexualismo, mas que apenas visa punir violências, humilhações e manifestações explícitas de preconceito.

No link: http://www.senado.gov.br/agencia/default.aspx?mob=0

ao lado direito da página, há a pergunta: Você é a favor da aprovação do projeto de lei (PLC 122/2006) que pune a discriminação contra homossexuais? Sim ou não?

Há um movimento conservador muito forte contrário ao projeto. Para minha surpresa, no anonimato, com 208.187 votos computados, o placar era de 51,69% pelo NÃO e de 48,31% pelo SIM.

Hoje, sexta-feira, 27 de novembro, às 11 horas, com 310.532 votos computados, o placar era de 51,73% pelo SIM e de 48,27% pelo NÃO. Viramos, ainda que precariamente, o jogo.

Não vou fazer proselitismo pelo SIM, mas acharia surpreendente um Brasil com preconceito institucionalizado (imaginem - proibir a repressão ao preconceito!). ESSE NÃO É O MEU PAÍS. Não admito que aqui se permita impunemente dar “tiros na nuca” metafóricos (e às vezes nem tão metafóricos assim) de quem quer que seja, poeta ou não, por causa de sua opção sexual, religiosa, aparência, etc.

Peço aos esclarecidos, que se manifestem e respondam aos caretas e covardes.

Tenho falado muito, sempre metaforicamente, em anjos tortos. Já falei sobre os anjos tortos de Drummond, Torquato e sobre o meu, que me acompanha desde pequenininho. Agora falo do anjo de Lorca. Torto, também, mas como o de Torquato, sorridente.

Acho que esse é o problema com os anjos sorridentes (já mencionei isso na mensagem anterior) – são demasiadamente sensíveis. Torquato se suicidou aos 28 anos (deixando um bilhete onde escreveu – “Pra mim chega!”) e Lorca foi assassinado aos 38. Sofreu na mão dos intolerantes. O belo anjo torto de Lorca era frágil e sensível como ele. Um tanto conformado, como Lorca no poema "Canción de la muerte pequeña”, de 1933, publicado postumamente nos “Poemas Esparsos”, quase premonitório de sua morte, arrepiante em sua secura e concisão.

Os anjos de Lorca e Torquato são diferentes do meu anjo torto. O meu também é poeta, mas é pedreira - guerreiro e sobrevivente. Não é alegre nem é triste. Gosta de um bom combate. Certamente não sorri. Condenou-me pela eternidade a ser olhos e boca.

Como homenagem a Lorca e seu anjo torto massacrado, deixo uma montagem que fiz há MUITOS anos atrás, ainda com alguma influência das idéias da geração de 27 nas artes plásticas.

Anjo de Lorca – que seja sempre lembrado.

Saudações acadêmicas
Heraldo






PS1 - Para que não digam que me esqueci de assuntos sobre a UFF, aí vai: É sempre bom comentar sobre coisas aparentemente equivocadas e ver que, coincidentemente, elas já estavam sendo prontamente corrigidas. A obra do muro que, eventualmente, poderia permitir a duplicação da Avenida Litorânea em frente ao campus da Praia Vermelha (também comentada por mim recentemente), aparentemente foi interrompida. Certamente para que haja uma discussão mais aprofundada sobre o assunto com a comunidade. Pelo que li nos jornais, deve ser feita, na Câmara Municipal de Niterói, uma discussão sobre possíveis mudanças na legislação sobre construções (espaçamento, gabarito, distância de imóveis da calçada, etc.). Tudo a ver. Sempre há, naturalmente, interesses diversos em jogo já que esse tipo de mudança afeta a qualidade de vida de todos os cidadãos. Que a população e os especialistas sejam ouvidos.

O bacana é perceber a surpreendente unanimidade de pensamento na UFF e na política municipal de Niterói. Muitas coisas estão mudando exatamente na direção do que estamos pedindo nos textos postados. Mas tudo isso voluntariamente, é claro, e independente da verborragia derramada. Mais uma vez eu repito - Bacana. Parabéns a todos nós.

PS2 – Na semana que vem falarei sobre um assunto mais ameno – O PISCINÃO DE BOA VIAGEM

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